16 de nov. de 2009

'Pura exploração política' Para ambientalistas, governo tenta equiparar Dilma a Marina Silva

Publicada em 12/11/2009 às 00h01m

O Globo

BRASÍLIA - Representantes de organizações não governamentais da área ambiental classificaram como exploração política a estrutura montada pelo governo para anunciar nesta quinta-feira o menor desmatamento da Amazônia registrado nas últimas décadas. As presenças do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, no evento, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), onde funciona provisoriamente a sede da Presidência, estão sendo entendidas como uma jogada de campanha eleitoral para 2010. ( O meio ambiente será um tema decisivo na campanha presidencial? )

No entendimento do coordenador de pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Osvaldo Stella Martins, é evidente o uso político no evento. Para ele, o objetivo é dar uma "roupagem ambiental" a Dilma Rousseff e confrontá-la com a ex-ministra Marina Silva (PV-AC), possível candidata à Presidência, que tem como principal bandeira o meio ambiente.

" É claro que se trata de pura exploração política "


- É claro que se trata de pura exploração política. O governo está investindo para dar um ar ambiental à Dilma num cenário político que tem, do outro lado, alguém com histórico nessa área, no caso a Marina Silva - disse Osvaldo Martins.

Para o ex-deputado federal pelo PSDB e ex-secretário do Meio Ambiente de São Paulo Fábio Feldmann, é bom comemorar qualquer queda do desmatamento, mas ele considera que a taxa continua muito alta. Se Dilma vai aparecer anunciando números positivos, deve divulgar também quando o resultado for negativo, afirma.

- Do mesmo jeito que ela aparece quando cai o desmatamento, tem que ver se vai ser ela a apresentar o dado quando o desmatamento crescer - acrescentou Feldmann.

" Essa politização não é ruim. Dá importância e ênfase à questão do desmatamento "


Um dos coordenadores do Greenpeace, Paulo Adário lembrou que não é a primeira vez que Lula anunciará dados do desmatamento, o que ocorreu também em 2006, ano em que o petista foi reeleito. Para Adário, o presidente agora está num processo de "politização" da questão ambiental.

- Essa politização não é ruim. Dá importância e ênfase à questão do desmatamento. Seja o Lula, a Dilma ou o Papa, é bom para a causa. Lula, agora, vai colocar a sua estrela (Dilma) nesse jogo - afirmou o ambientalista.

Osvaldo Martins associou a imagem de Dilma à do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC):

- A Dilma é a mãe do PAC. E o PAC é o grande inimigo da Floresta Amazônica. Vai ser balela eleitoral - disse ele.

Mesmo com a redução que será anunciada nesta quinta, Paulo Adário avalia que a taxa de desmatamento no Brasil ainda é alta, mas elogiou a atuação das entidades não governamentais.

- Estamos ainda longe de um bom número. A boa notícia é que a sociedade está aprendendo a manter o governo sob pressão. E o governo está reagindo.

Os atores mudaram a história e apagaram a personagem principal: Marina Silva. Já Dilma Rousseff não coube no seu figurino neoverde.

O Globo de hoje (13/11/2009)

MIRIAM LEITÃO - Panorama Econômico

Malabarismo verde


O governo montou um circo cheio de malabaristas para anunciar a queda forte do desmatamento de 12 mil km2 para 7.000. O número é bom e era natural que ele faturasse. É a destruição de uma área equivalente ao DF em um ano, mas já foi muito pior.


Os atores mudaram a história e apagaram a personagem principal: Marina Silva. Já Dilma Rousseff não coube no seu figurino neoverde.


Dilma não é desse mundo.


Ela é, desde o começo do governo Lula, a principal responsável pelo modelo elétrico, pelas decisões na área que monitora, mesmo depois de sair de lá. Acredita nas grandes hidrelétricas no meio da Amazônia, quer construir rodovias, aposta na “indução do desenvolvimento na expansão das fronteiras agrícolas e minerais”, palavras ditas no lançamento do PAC. Não há transposição sustentável que faça dela uma defensora do meio ambiente e da floresta.
Mas há uma conclusão boa diante do malabarismo verde de ontem: um grupo político que quer se manter no poder só faz isso se acredita que é importante, dá voto, e faz parte dos novos valores da sociedade brasileira.
Dilma vem mudando nos últimos tempos. Isso é mais interessante do que a versão montada ontem pelo marketing do governo.


O desmatamento cresceu muito no começo do primeiro governo Lula e chegou a 27 mil km2 em 2004. Em fevereiro de 2005, morreu a irmã Dorothy.
Os números e a tragédia deram força à ministra Marina Silva dentro do governo.
Ela então anunciou o Plano Nacional de Combate ao Desmatamento, junto com o então chefe da Casa Civil, José Dirceu. A primeira frente de batalha foi a criação de áreas protegidas, unidades de conservação. Outros estados seguiram na mesma linha: Pará, Amazonas, Amapá, Acre. O total de áreas protegidas subiu de 30% para 41% até 2007. De lá para cá, aumentou apenas para 42%.
Operações policiais se intensificaram.


Um dos resultados foi a operação Curupira, no Mato Grosso.
As ONGs aumentaram a pressão contra as grandes empresas que induziam o desmatamento. Assim, nasceu a moratória da soja, em que as grandes traders se comprometeram a não comprar soja de área recentemente desmatada.
O desmatamento caiu nos anos seguintes. Em 2007, logo que voltou de Bali, a exministra confirmou o que se temia: o desmatamento voltara a crescer. Ela anunciou então uma nova série de medidas. Beto Veríssimo do Imazon, lembra: — Foi cortado o crédito de quem desmatava e a lei de crimes ambientais embargou as fazendas infratoras. Os nomes destas fazendas foram divulgados na internet. A lei estabeleceu que quem comprasse delas responderia pelo crime. Além disso, o governo fez uma lista de 36 municípios que mais desmatavam e montou a operação Arco de Fogo, da Polícia Federal e do Ibama, para fechar madeireiras e fornos ilegais.


Acompanhei uma dessas operações, em abril de 2008, em Paragominas. Conversei na época com o prefeito Adnan Demachki, que falou ontem no evento do governo. O ministro Minc contou ontem que houve um atentado em Paragominas contra a sede do Ibama, e a partir daí, graças a atuação do seu ministério e a decisão acertada do prefeito, que ficou contra os produtores de carvão ilegal, o desmatamento caiu.


O ministro errou na ordem dos fatos históricos. O ataque à sede do Ibama foi em novembro do ano passado. Mas quando eu fui em abril de 2008, o prefeito já tinha assinado desde março um pacto com os principais produtores da cidade pelo desmatamento zero. E o fez com a ajuda do Imazon. Tudo anterior até a nomeação de Minc, que só aconteceu em maio do ano passado. Paragominas é um bom exemplo de como as coisas funcionam: os produtores se sentiram pressionados porque seus clientes queriam garantia de produtos livres de desmatamento.


Esse tipo de pressão aos produtores faz parte de um processo interessante. Com a divulgação dos nomes das fazendas que desmatavam ilegalmente, um grupo de ONGs, liderado pelo Greenpeace, fez um levantamento de quem estava comprando desses produtores. Esse estudo chegou aos grandes supermercados, que decidiram boicotar a carne de frigoríficos que compravam dessas fazendas.
— Mas claro que tudo isso mostra que os empresários estão mudando. E se eles estão mudando, é porque o mercado e a sociedade estão mudando — diz Veríssimo.
No palanque do desmatamento, a versão foi que tudo aconteceu por obra do governo, a partir da chegada do ministro Minc, e graças ao trabalho da ministra Dilma e ao programa Arco Verde.


A propósito, também lançado por Marina.


— O Arco Verde, na verdade, tem sido apenas um mutirão de entrega de documentos pessoais ou legalização de propriedade de pequenos proprietários.
Não está havendo a outra parte: o desenvolvimento de cadeias produtivas — explica Veríssimo.


Na história contada no palanque, houve muitas imprecisões e meias verdades.
Mas o pior foi sumir com um personagem desse próprio governo. A senadora Marina Silva está na origem de políticas que deram certo. É de justiça que se diga isso. A maneira como o governo contou os fatos lembrava “1984”, de George Orwell, em que os poderosos reescreviam a história passada para eliminar o personagem que caíra em desgraça.

A senadora Marina Silva conseguiu, em poucos meses fora do governo, o que tentou em vão durante todos os anos em que esteve no Ministério de Lula: transformou a questão ambiental no centro das preocupações do governo, e fez da ministra Dilma Rousseff a porta-voz de avanços da política ambiental, como a redução de 45% do desmatamento anual na Amazônia, registrando o melhor índice dos últimos 21 anos.


O Globo de hoje (13/11/2009)

COLUNA - Merval Pereira

Vitória de Marina


A senadora Marina Silva conseguiu, em poucos meses fora do governo, o que tentou em vão durante todos os anos em que esteve no Ministério de Lula: transformou a questão ambiental no centro das preocupações do governo, e fez da ministra Dilma Rousseff a porta-voz de avanços da política ambiental, como a redução de 45% do desmatamento anual na Amazônia, registrando o melhor índice dos últimos 21 anos.


Mas não apenas o governo está se movendo na questão ambiental. Também a oposição assumiu o tema como prioritário, a ponto de o governador paulista, José Serra, o favorito das pesquisas de opinião e provável candidato do PSDB à Presidência, ter aproveitado a indecisão do governo federal sobre as metas de redução de emissão de carbono para anunciar antes suas próprias metas.


Fazendo o papel do governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger elaborou uma legislação ambiental própria contra a posição do governo George W.
Bush, que não assinou o Protocolo de Kyoto e se recusava a assumir compromissos nessa área.


Quando anunciou sua saída do PT, depois de 30 anos de militância, Marina sublinhou que o fazia “por falta de condições políticas” para avançar na sua luta “de fazer a questão ambiental alojar-se no coração do governo e do conjunto das políticas públicas”.


Na opinião da senadora, a ministra Dilma tem “uma visão tradicional e antiga de desenvolvimento”. O problema do governo àquela altura é que Marina, agora no Partido Verde, passou a ser uma alternativa para eleitores petistas insatisfeitos, para uma classe média urbana que já assimilou a luta ambiental como prioridade de vida.


A disputa entre ela e a candidata oficial Dilma Rousseff surge para o grande público como a luta entre os ambientalistas e a tocadora de obras que, assim como o presidente Lula, se irrita tanto com a fiscalização pelo TCU quanto com a preocupações ambientais, que atrasam a construção de hidrelétricas. Quando anunciou a líder ambientalista Marina Silva como ministra do Meio Ambiente, em 2003, o presidente Lula usava o simbolismo que ela representava para mandar um recado ao mundo de que a Amazônia, no seu governo, ganharia um tratamento diferente.


Mas a realidade atropelou os sonhos ecológicos da senadora do Acre, que engoliu várias medidas polêmicas para os ambientalistas, como a aprovação de compra de pneus usados do exterior ou a aprovação do uso de transgênicos. A derrota que ocasionou a saída da senadora Marina do Ministério do Meio Ambiente foi a decisão do presidente Lula de entregar ao então ministro de Planejamento Estratégico, Mangabeira Unger, o Plano da Amazônia Sustentável (PAS).
A MP 458, apelidada pelos ambientalistas de “MP da Grilagem”, caiu como uma bomba entre verdes do mundo inteiro. A lei permitiu a legalização de 67,4 milhões de hectares de terras públicas da União na Amazônia, até o limite de 1.500 hectares.


Pressões ambientalistas fizeram com que o governo vetasse, na totalidade, o artigo 7º da medida e o inciso II do artigo 8, que tratavam da transferência de terras da União para as pessoas jurídicas e para quem não vive na Região Amazônica. A senadora Marina Silva considera que essa lei beneficia grileiros e grandes proprietários de terras na Amazônia, e a classificou de “a pior medida entre tantas tomadas no governo Lula contra o meio ambiente”, como a concessão de incentivos à indústria automobilística e a frigoríficos na Amazônia sem a exigência de contrapartida.


Como a agenda ambiental tornou-se central nas discussões sobre desenvolvimento econômico, e ganhou destaque com a aproximação da reunião de Copenhague, nas duas primeiras semanas de dezembro — quando serão definidas as novas metas de redução da emissão de gases de efeito estufa na atmosfera a partir de 2013, em substituição ao Protocolo de Kyoto —, os pré-candidatos à Presidência assumiram o tema e preparam-se para estar presentes à reunião. Tanto Serra como Dilma andaram trocando farpas quanto aos respectivos programas de redução de emissões.


A redução de 40% proposta pelo governo Lula, parte em decorrência da redução do desmatamento da Amazônia, foi considerada “sem grandeza” pelo governo paulista, que alega que a meta de redução absoluta de 20% das emissões em relação a 2005, adotada por São Paulo, significa mais do que a simples desaceleração da emissão do plano federal, em relação ao que se estaria emitindo em 2020, e mesmo assim como “compromisso voluntário”, e não meta de governo.


Já a ministra Dilma Rousseff comparou os números totais para garantir que a proposta do governo é mais importante. A decisão de não estabelecer metas, mas sim compromissos, foi uma orientação do Itamaraty acolhida pela Casa Civil, sob a alegação de que o país não ficaria assim preso a longo prazo ao cumprimento de metas, mas sim ao conceito de redução de emissões, cujos índices podem ser alterados na medida do interesse nacional.


Na reunião de Copenhague, a ministra Dilma provavelmente chefiará a missão brasileira, e a senadora Marina Silva certamente estará presente, ao lado das ONGs que estão mais atuantes do que nunca na pressão aos governos nas reuniões preparatórias. E o governador José Serra também pretende comparecer. A grande incógnita são os Estados Unidos, que, ao que tudo indica, não terão uma posição oficial aprovada pelo Congresso a tempo da reunião. A pressão está partindo dos países em desenvolvimento, especialmente Brasil, China e Índia, para que os países desenvolvidos assumam metas de redução, até mesmo como maneira de pressionar os Estados Unidos.

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Por Dilma, Lula festeja indicador do qual duvidava

ANÁLISE

claudio angelo
EDITOR DE CIÊNCIA

Que ninguém duvide: a queda no ritmo do desmate na Amazônia é a melhor notícia do ano. Ou melhor, dos últimos 21 anos, desde que o Inpe começou a monitorar sistematicamente essa vergonha nacional.
Não que 7.008 km2 sejam pouca coisa. Nunca é demais repetir a estimativa do americano Warren Dean, segundo o qual toda a produção de açúcar no Brasil de 1700 a 1850 consumiu 7.500 km2 da mata atlântica. Mas um país que já viu taxas quatro vezes maiores na Amazônia em um só ano aprendeu a comemorar o inaceitável.
Até pouco tempo atrás, a regra era os governos anunciarem o dado do Prodes num tom sombrio -um "ritual macabro", nas palavras da ex-ministra Marina Silva. Agora, o dado do desmatamento vira palanque, e justamente para a menos verde das candidatas, Dilma Rousseff. O mundo gira.
E como gira: ainda no ano passado, quando o mesmo Inpe anunciou uma alta recorde na velocidade da derrubada, Lula resolveu atirar no mensageiro. Duvidou dos dados e mandou checá-los, comparando-os a um "tumorzinho" que era tratado como câncer antes da biópsia. Não há registro de que Dilma tenha peitado o chefe e ficado ao lado de Marina e de Sergio Rezende na defesa dos números do instituto.
Mas a história não foi apenas esquecida ontem no palanque em Brasília. Ela foi ativamente reescrita. O próprio Carlos Minc fez questão de atribuir a Dilma as metas de corte de desmatamento do plano nacional do clima e o Fundo Amazônia. Tanto o fundo quanto o plano são obras de Marina Silva. O que Dilma fez foi passar o PAC por cima da Amazônia e barrar a criação de áreas protegidas.
É também de Marina grande parte do mérito pela queda na devastação. Ela estreou as políticas de comando e controle ampliadas por Minc. Produziu a resolução do Banco Central cortando o crédito a desmatadores, que Minc lutou para manter -apesar de Dilma e dos governadores da Amazônia.
Além da cabocla do Acre, os loiros de olhos azuis de Wall Street ajudaram, derrubando a economia mundial e o agronegócio brasileiro junto. Por fim, as ações do Greenpeace e do Ministério Público contra a carne ilegal provavelmente tiveram sua parcela de mérito.
Lula ganhou de todos esses atores um presentão, mas também um problema. Afinal, nos próximos dias o presidente precisa definir se apoia Minc ou os desmatadores na reforma do Código Florestal. Vai ficar feio ceder aos ruralistas agora.

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