sábado, 27 de março de 2010
A “mexidinha” de R$ 3 bilhões a mais nos cálculos dos custos de Belo Monte não é só resultado das condicionantes exigidas na LP, como quiseram fazer crer. Os quase 74% desse valor foram adicionados à conta da construção do canteiro de obras e embutidos sub-repticiamente na esteira da licença ambiental. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) se justificou dizendo que os cálculos foram “subestimados” pelas três maiores empreiteiras do Brasil e a Eletrobrás.
Telma Monteiro
No final de 2009 o Tribunal de Contas da União (TCU) analisou os custos da hidrelétrica Belo Monte no rio Xingu para subsidiar o leilão de contratação de energia. Faltavam, conforme as determinações do Acórdão nº131/2010-Plenário, de 3/2/2010, os Custos Socioambientais decorrentes das condicionantes da Licença Prévia (LP), a revisão do Custo de Capital Próprio e de Capital de Terceiros, a Atualização do Orçamento e a Atualização do Custo Marginal de Referência (CMR).
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), as condicionantes da LP implicariam aumento dos custos socioambientais. Além das atualizações decorrentes das determinações proferidas pelo Tribunal, a EPE apresentou, também, uma revisão do orçamento do empreendimento. Informou ao TCU que essa revisão do orçamento ficou restrita à conta 17, aquela que se refere aos custos indiretos com canteiros e acampamentos, à logística e à manutenção e operação do canteiro.
As condicionantes da LP teriam elevado o valor dos custos socioambientais em R$ 801 milhões, diferente dos R$ 1,5 bilhão anunciados pelo Ministro de Meio Ambiente, Carlos Minc, depois da emissão da LP. Com a revisão do orçamento, o custo direto total (CDT) passou, então, de R$ 16 bilhões para R$ 19 bilhões. Esses R$ 3 bilhões a mais foram atribuídos pela mídia apenas às condicionantes ambientais da LP. Nenhuma palavra foi dita sobre a revisão das verbas para implantação do canteiro de obras e acampamentos, manutenção e operação. Fomos pesquisar.
Ai é que entra o espetáculo de prestidigitação, uma verdadeira mágica engendrada pela EPE com o aval TCU, numa bem orquestrada esperteza da EPE e dos responsáveis pelo Estudo de Viabilidade Técnico-econômica (EVTE) nas contas do projeto de Belo Monte, no rio Xingu.
Analisando o relatório complementar do TCU do dia 17 de março último é possível descobrir a detalhes sobre esses custos. No item referente ao canteiro de obras ( considerado custos indiretos), segundo a justificativa da EPE, “foram subestimados [os valores] pelos desenvolvedores do EVTE” -“esqueceram” de considerar o fato de que o empreendimento estaria longe de um grande centro. Ao contrário das obras de Santo Antônio e Jirau que têm proximidade de Porto Velho, Belo Monte não contaria com a mesma infra-estrutura, ainda segundo a EPE.
O CDT de Belo Monte estava estimado, antes da revisão, em R$ 16 bilhões e o custo do canteiro de obras era o equivalente a 4% desse montante ou R$ 640 milhões. Toda essa história está no próprio relatório do TCU, diga-se. No entanto, em tempo de corrigir o “esquecimento” dos empreendedores, a EPE recalculou esse custo, aprovado pelo TCU, que subiu de R$ 640 milhões para espantosos R$ 2,85 bilhões. Ou seja, o valor inicial para construção do canteiro de obras aumentou mais de quatro vezes. Comparativamente, é como se uma casa com custo de construção de R$ 64 mil passasse para R$ 285 mil sem se alterar o projeto.
Vejamos o resumo do novo cálculo: (i) canteiro de obras – R$ 2,21 bilhões a mais (R$ 2,85 bilhões menos os R$ 640 milhões do cálculo inicial) (ii) custos socioambientais – 801 milhões a mais (iii) aumento de mais de R$ 3 bilhões no CDT previsto para Belo Monte (de R$16 bilhões passou a R$ 19 bilhões).
Essa “mexidinha” de R$ 3 bilhões nos cálculos dos custos de Belo Monte não é só resultado das condicionantes exigidas na LP. Os quase 74% desse valor adicionados para construir o canteiro de obras, cujas “dificuldades” só se percebeu posteriormente, foram embutidos sub-repticiamente na esteira da licença ambiental. Note-se que os responsáveis pelos tais cálculos “subestimados” são as três maiores empreiteiras do Brasil e a Eletrobrás. Elas erraram?
Os R$ 2,85 bilhões (depois da revisão são 15% do CDT) calculados para a construção do canteiro de obras dariam para construir 95 mil casas populares de 45 m² (segundo custos CUB/SINDUSCON) de 2 dormitórios, sala, cozinha, banheiro e varanda. Consideremos que essas 95 mil casas abrigariam 380 mil pessoas que é mais que o dobro dos habitantes dos municípios da região que sofreriam os impactos da usina de Belo Monte.
Outro ponto a ser considerado é que o canteiro de obras usado como pretexto para aumentar a conta e assim satisfazer as empreiteiras, deve ser desmontado depois de construídas as barragens, casas de força e os canais de adução e derivação. Portanto esses R$2,85 bilhões seriam descartados, mas teriam servido para que parte substancial deles fosse incorporada, como lucro de construção, ao caixa das empreiteiras e ainda acrescida da isenção de PIS e COFINS, já que as obras de Belo Monte foram incluídas no Regime Especial de Incentivo para Desenvolvimento da Infra-estrutura (REIDI), por sugestão do próprio TCU. Além de tudo isso, o dinheiro do canteiro de obras entraria antes do início das obras, ou seja, seria lucro antecipado! Construir mega-barragens é um grande negócio.
Tem mais ainda. Os R$ 2,85 bilhões - chamados de custos indiretos – do item referente ao canteiro de obras são 15% do Custo Direto Total (CDT) do empreendimento (ver tabela). O total de todos os custos indiretos, então, passou de 10,8% do CDT para 22,7% do CDT. Para isso também há uma explicação da EPE, lógico, aprovada pelo TCU.
O TCU já havia questionado a EPE, no licenciamento de Jirau, quanto à faixa de percentuais em que se situariam os chamados “Custos indiretos” de empreendimentos hidrelétricos - canteiros de obras em especial – e a Empresa respondeu que esses custos eram obtidos “com base nas informações disponíveis na própria EPE”. Essas “informações disponíveis” não foram fornecidas pela EPE e o relatório do TCU, bastante leniente, confirmou não ser possível, então, avaliar sua pertinência. Ou seja, critérios não transparentes levam a cálculos mirabolantes de mirabolantes projetos na Amazônia como o também agora “birabolante[1]” canteiro de obras de Belo Monte e aceitos pelo TCU que manteve sua “coerência” em relação às contas das “birabolantes” usinas do Madeira. Números também “birabolantes”!
Baseados na comparação com Jirau e Santo Antônio, o TCU questionou os valores iniciais para os custos indiretos de Belo Monte e recomendou à EPE que refizesse os cálculos para que os Custos Indiretos ficassem em faixa semelhante. “Em Belo Monte, antes da atualização, os custos indiretos representavam 10,8% do CDT [Custo Direto Total]. Com a revisão, esta porcentagem passou para 22,7%, aproximando-se do que foi considerado em Santo Antônio, 21,3% do CDT, e Jirau, 21,6% do CDT.” Outra tabela mostra os comparativos.
Disso tudo podemos depreender que (i) os custos indiretos de Belo Monte referentes ao canteiro de obras, inicialmente, R$ 604 milhões (4% do CDT), estavam conflitantes com os critérios dos custos já aprovados das usinas de Santo Antônio e Jirau, com as características semelhantes de grandes hidrelétricas na Amazônia (ii) o TCU já havia aprovado os parâmetros da EPE para os custos indiretos de Santo Antônio e Jirau, não poderia justificar para Belo Monte outra faixa 50% menor (iii) a EPE revisou apenas e curiosamente os custos indiretos referentes aos Canteiros e Acampamentos (iv) essa revisão foi responsável pelo reposicionamento do valor de Belo Monte, que antes era da ordem de R$ 16 bilhões, passando a ser de R$ 19 bilhões (v) a EPE divulgou que o aumento do valor era decorrência das condicionantes da LP (vi) o CMR – preço teto - do MW/h para o leilão, por conta das alterações promovidas pela EPE, passou de R$ 68 para R$ 83 levado pelo “birabolante” canteiro de obras.
O Ministério Público deve pedir as planilhas e memórias de cálculo ao TCU, à EPE e à ANEEL para que a sociedade possa entender melhor os parâmetros utilizados para se chegar aos custos das grandes obras do PAC. Já está mais do que provado que Belo Monte é desnecessária e agora se pode ver para quem servirá e a quem beneficiará. Por enquanto só enxergamos benefício$$ para os ganhadores do leilão.
Telma D. Monteiro
Coordenadora
Energia e Infra-Estrutura Amazônia
Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé
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